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Por uma infância sem racismo Em homenagem ao menino Miguel

“Todo menino é um rei”, cantou para o Brasil o sambista Roberto Ribeiro em 1970. Cinquenta anos depois, crianças negras, descendentes de reis e rainhas da África continuam precisando que a lei, que a música, a arte, a fotografia, que todos nós, usemos nossa fala privilegiada para defender o direito soberano e universal de viver suas infâncias plenamente, tendo assegurados, com absoluta prioridade, a vida, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade, estando a salvo de “toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", como diz a Constituição Brasileira.

Toda criança tem direito à proteção contra a violência. No entanto, a violência é um indicador que vem piorando nas últimas três décadas no Brasil e, 89,2% das vítimas de homicídios de 10 a 19 anos são negros. Toda criança tem direito a se desenvolver plenamente, mas milhões têm seu potencial interrompido pelo trabalho infantil e, 64,1% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil são negros. Toda criança tem direito à educação, mas há milhares de estudantes que passam pela escola sem aprender. As populações preta, parda e indígena tiveram entre 9% e 13% de estudantes reprovados, enquanto entre brancos esse percentual foi de 6,5%. Os dados são do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Este ano, o projeto Toda Criança é Especial traz o tema “Por uma infância sem racismo”, em apoio à campanha de mesmo nome lançada pelo Unicef, para alertar sobre os impactos do racismo na vida de milhões de crianças e adolescentes brasileiros e a necessidade de uma mobilização social que assegure o respeito e a igualdade étnico e racial desde a infância, convidando cada um a fazer uma ação por uma infância e adolescência sem racismo. Presidente e fundadora do Instituto Luz Natural, instituição sem fins lucrativos que utiliza a fotografia como ferramenta de mudança social, a fotógrafa Andréa Leal aceitou o convite.

Reuniu 12 crianças negras, protagonistas de suas histórias de luta contra o preconceito, por oportunidades, resgate da autoestima e valorização de suas raízes culturais. Para que cada criança conte a história da sua vida como deseja, sem sofrer qualquer violência ou discriminação e para que viva plenamente, como toda criança merece viver. A iniciativa acontece também em homenagem ao menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morto no dia 02 de junho de 2020 após cair do 9º andar de um prédio de luxo no Centro do Recife. A criança estava sob os cuidados da patroa de sua mãe, trabalhadora doméstica que havia levado o cachorro dos donos da casa para passear. Um caso que chocou o país e lançou luz sobre os rumos que a discriminação racial tem tomado na vida de nossas crianças.

Sobre a Fotógrafa Andréa Leal

andrealeal

Jefferson

“Ele já sabe como um rei se porta. Quando foi tirar a foto, esqueceram a espada e o cajado da fantasia e ele disse que estava faltando. Ele gosta da dança, da capoeira, de percussão, está aprendendo sobre a cultura, o que é importante. Está mais interativo e esperto. Ele diz: ‘papai, eu sou um menino muito inteligente!’ A discriminação já aconteceu com ele. Quando entramos na loja, a pessoa pensa que não temos condições (de comprar). É triste. O Daruê mostra as origens da pessoa, de onde ela veio, pra poder enfrentar essa indiferença racial e social que tem no mundo. Ele repara quando a pessoa olha diferente pra ele. Quando ele está sendo rejeitado, quando a pessoa age com indiferença, ele não se comunica com essa pessoa mais. Se a pessoa falar, ele só responde. Eu quero saber nesse mundo quem nunca sofreu nenhum tipo de preconceito. Se não sofreu, um dia pode ou vai acontecer”.


Valber de Souza Santos Junior, pai de Jefferson Luan da Silva Santos, de 5 anos, há 3 anos no projeto, morador do Arruda e aluno da Escola Municipal Jandira Botelho.

Beatriz

“Agora eu me sinto linda, alegre. Antes me achava feia e não gostava de soltar o cabelo. Aprendi a ser uma pessoa melhor e não ter preconceito com ninguém. Acho o preconceito horrível!!! O que mais gosto de fazer é dançar Maracatu. Quando estou no Maracatu com meu cabelo solto, dançando e girando, eu me sinto bem e penso: ‘a mais linda!’ Quando estou com o cabelo solto na rua, também. Hoje no Maracatu me senti uma verdadeira rainha! Queria dizer para as meninas que ainda usam o cabelo preso porque não acham bonito, pra elas soltarem o cabelo porque elas ficam mais bonitas e que não se sintam tristes, nem sós”.


Beatriz dos Santos de Amorim, 12 anos,
moradora da Palha do Arroz, frequenta o Daruê Malungo desde os 11 anos,cursa o 6º ano na Escola São Judas Tadeu.

Benjamin

“Este menino vestido de batuqueiro é Benjamin. Uma criança normal. Foi uma gestação normal, um parto normal, nasceu saudável. É uma criança como qualquer outra: esperta, divertida, alegre, estudiosa, come de tudo, corre, anda, pula, anda de bicicleta, brinca de bola, bola de gude, solta pipa, adora guloseimas... Antes de entrar na escolinha, quem alfabetizou ele muito bem foi tia Jandira, no Daruê, onde começou com dois aninhos. Começou a desenvolver a fala, conhecer as cores, as letras, numerais. Adora as aulas de percussão! Ele ainda não sofreu preconceito. Espero que não passe, mas acredito que ele vai passar por conta da estatura. Ele está aprendendo aos poucos sobre a cultura afro e isso ajuda no sentido de ele crescer, ser um cidadão. Começa de agora a respeitar o próximo, o colega, a colega, a professora, os pais, os adultos e saber que somos todos iguais. O trabalho do Daruê é voltado para o social, para a igualdade, fora o preconceito. Trabalha em cima de que somos todos iguais”.


Clébia Maria De Oliveira França, mãe de Benjamin Oliveira de Souza, 5 anos, há 3 anos no projeto, morador do bairro de Campo Grande.

Maria Alice

“Sempre ensinei que é muito linda a cor dela, que ela é linda com os cabelos cacheados e pretinha, do jeito que é. Alice também se inspira na professora que tem o cabelo afro. Às vezes questiona porque eu alisei o meu cabelo, mas incentivo ela sempre, dizendo que o cabelo dela é lindo. Graças a Deus, ela nunca sofreu preconceito. Alice participa do projeto Daruê Malungo desde os 3 anos de idade. Aprendeu muita coisa. Gosta de dançar, pintar, chega cantando e mostrando cada passo novo. Aprendeu a pintar, fazer brinquedos com material reciclável. Acredito que ela aprendeu muito mais”.


Aline, mãe de Maria Alice, 6 anos, 1º ano da Escola Santa Bernadete, moradora de Peixinhos.

Brayan

“Brayan participa do Daruê Malungo desde a barriga. Eu entrei com 17 anos e com 21 anos fui mãe. Aos 11 meses de vida, ele já pegava as baquetas. O que ele mais gosta de fazer é tocar. Gosta muito de percussão. Ele é um menino que ama isso! Quando tem apresentação que ele não tá encaixado, chora. Não tenho o que falar sobre o que o Daruê mudou na vida dele, porque ele sempre foi do Daruê. É um menino muito simpático, fácil de se relacionar, interage bem com as pessoas, já conhece um pouco da cultura afro... Meu filho nunca sofreu preconceito. Talvez o fato dele já ter nascido no Daruê ajudou a formar essa personalidade dele e pode ter ajudado em ele nunca ter sido alvo de discriminação”.


Ana Paula Oliveira da Fonseca, mãe de Brayan, 6 anos, morador de Chão de Estrelas.

Flávia

“Flávia era muito tímida. Sofreu preconceito na escola. Uma colega mandava bilhetes chamado ela de ‘macaca do cabelo ruim’. Levei ao conhecimento dos supervisores do colégio e o problema foi resolvido. No começo, ela não queria ir para a aula. Todo dia, a gente fazia um penteado diferente e, quando chegava na sala as professoras diziam: ‘que penteado lindo! Quem fez?’ E a gente ia sempre dizendo: ‘que coisa mais linda! Que bonita!’ Aí foi se resolvendo. Através do Daruê Malungo ela conseguiu interagir com outras crianças. Começou a dançar e é a aula que ela mais gosta. Conhecer sobre as raízes, a cultura afro ajudou muito! Pra mostrar que o diferente também é bonito. O povo tá acostumado com as pessoas brancas, de cabelo liso ou na chapinha. Ela viu que também é bonito cabelo cacheado, cabelo afro, fazer tranças... Ela se vê linda. Nós, familiares, na escola, no Daruê, sempre dizemos que ela é linda. Não importa se é gorda, magra, preta, branca. Cada um é bonito do seu jeito”.


Fabiana da Silva Pereira, mãe de Flávia kaline Fortunato da Silva Pereira, de 10 anos.
 

Evellyn

“Gosto muito de dançar. Hoje vesti a roupa da ciranda. Fiquei nervosa e ansiosa, me achei bonita. O que eu acho mais bonito em mim é meu cabelo, porque ele é grande. O projeto mudou muito a minha vida. Eu já sofri preconceito. Na escola, um menino me chamou de ‘nega’, de ‘feia’. Me senti mal, chorei, contei para a professora e ela mandou o menino para a direção. Chamaram a mãe dele e ele parou, nunca mais fez. Acho muito chato sofrer preconceito. Pra quem também já sofreu, queria dizer que tem que contar pra alguém que pode ajudar. Você não tem que se importar quando alguém diz seu cabelo é ‘ruim’, você tem que gostar do seu cabelo, por você, não pelos outros”.


Evellyn Gabrielle Francisca Conceição, 11 anos
, estudante da Escola Irmã Terezinha Batista, há 5 anos, moradora de Chão de Estrelas.

Rian

“Preconceito é não respeitar cor, religião. Eu Já sofri preconceito na escola porque danço afoxé. Disseram que era pra gay. Respondi que é uma dança afro e que não é só para menina. Eu gosto de dançar afoxé, me sinto livre. Também gosto de arte, de pintura. Aprendi a respeitar as religiões africanas. Hoje eu fiz uma homenagem ao orixá Xangô. Pra mim, ele significa força. Me senti forte também. Eu respeito. Pra quem também já sofreu preconceito eu digo: levante a cabeça. Pra quem faz, eu digo: ‘o preconceito está na sua cabeça. Pare porque isso é feio’, ensina Rian, transmitindo o que aprendeu: “Rian desconhecia seus direitos na comunidade, no Brasil. Aprendeu sobre cultura, a se portar melhor na sociedade, a se defender melhor quando alguém fala de negro”.


Elaine Fernanda Ferreira da Silva, mãe de Rian Lucas da Silva Carvalho, 10 anos, estuda na Escola Mário Melo participa do projeto há 2 anos e mora no Arruda.

Fernanda

“Gosto de dançar Maculelê e tocar alfaia. Quando estou dançando, me sinto livre. Quando estou tocando, me sinto forte. Acho importante aprender uma dança e um instrumento trazidos da África. Também aprendi sobre preconceito. Conheço muita gente da minha rua que sofreu preconceito. Chamaram meus amigos de ‘macaco’. Eles sofreram, ficaram tristes. Digo pra não ligarem, porque isso não é nada. E pra ligarem pra polícia, porque é crime. Pra quem faz, peço pra parar. Me vejo livre. Adoro maquiar as pessoas, gosto de fazer minhas amigas se sentirem bonitas. Sei fazer penteado afro, trança ... Elas ficam bonitas e gostam conta Lindauria Fernanda. “Ela é estudiosa, tímida, não sofre mais quando alguém fala mal dos negros. Ela sabe que o lugar dela é igual ao de todo mundo: branco, azul, amarelo, lilás, não importa a cor. Somos iguais”.

 

Elaine Fernanda Ferreira da Silva, mãe de Lindauria Fernanda Silva Barros, 12 anos, faz o 7º ano na Escola Embaixador Gilberto amado, participa do projeto há 2 anos e mora no Arruda.

Matheus

“Vestido de guerreiro africano eu me senti mais forte. Quero ser o que a vida quiser. Se ela quiser que eu vire doutor, vou ser doutor ou jogador, bailarino... Pra bailarino eu já ensaio. Gosto mais de Maracatu, gosto de ser o rei e o porta estandarte. Sou um menino que antes era muito brabo e agora tá mais calmo. Muitas vezes eu brigava na escola. Agora estou estudando mais”.

 

Matheus Fernandes de Oliveira, 11 anos, morador de Chão de Estrelas.

Yasmim

“Aprendi a dançar e a tocar Maracatu. Gosto de ser a Princesa do Maracatu, de dançar rodando”, conta Yasmim Vitória, ao lado da mãe orgulhosa: “Fiquei emocionada quando vi Vitória vestida de princesa. Ela é minha princesinha. Ela está no Daruê Malungo há 3 anos, nesse período mudou tanta coisa na vida dela, está mais feliz. Ela era teimosinha, agora está se comportando melhor. Chora pedindo pra ir para o Daruê e quando chega a hora, ela fica doida de felicidade. O Daruê ensina muita coisa pra ela: a se defender do preconceito, a dar a volta por cima e se valorizar”.

 

Ilka Fernandes Barbosa, mãe de Yasmim Vitória Fernandes das Neves Silva, 6 anos.

Thaynara

“Saber sobre a cultura africana é muito importante porque eu sou uma pessoa negra. Gosto demais de dançar Maracatu de ser a Dama do Paço, porque gosto de ficar segurando a boneca, dançando com ela. É uma posição importante no Maracatu. Me sinto alegre, me sinto bem. O preconceito, o preconceito com a pele negra, com o cabelo, o racismo, é uma coisa feia, ruim. Não queria que existisse no mundo porque faz mal pra quem sofre. Para alguém que sofreu preconceito, eu diria para não ficar calado, pra lutar. Quero ser fotógrafa porque gosto e para fotografar as coisas bonitas que eu vejo, paisagens, mas não vejo muitas. Aqui no Daruê tem coisa bonita, na escola, na minha casa também, na rua, na praça... Não tenho câmera nem celular, mas sei fazer foto. Aprendi no celular da minha irmã de 17 anos. Quando vou pra casa dela eu tiro fotos. Quero aprender como mexer numa câmera”.

 

Thaynara Laís Fernandes Barbosa, 10 anos, 5º ano da Escola Municipal Mário Melo, há 3 anos no projeto Daruê Malungo.

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